Paulo Corrêa de Luca

Quando a pauta é o caixa e interesses particulares, não há ideologia: esquerda e direita seguem o centrão e deixam o Brasil para depois

A Câmara dos Deputados aprovou, em menos de 24 horas, um pacote de R$ 10,5 bilhões em emendas parlamentares de comissão, sem debate prévio, sem transparência e mantendo o sigilo sobre os autores das indicações, prática que contraria decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A votação ocorreu de forma simbólica, com a clássica fórmula “Aqueles que aprovam permaneçam como se encontram. Aprovado”, e em alguns casos com presença mínima. No colegiado de Turismo, por exemplo, apenas um deputado estava no plenário no momento da decisão.
A aprovação faz parte de um movimento mais amplo de liberação acelerada de recursos, que se intensificou nas últimas semanas. Segundo levantamento, somente em comissões como as de Educação, Agricultura, Meio Ambiente e Infraestrutura, outros bilhões já haviam sido autorizados em votações relâmpago, algumas durando menos de um minuto.
O contexto político ajuda a explicar a pressa. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva intensificou o pagamento de emendas antes de consolidar a recente trégua com o Congresso, numa estratégia para assegurar apoio parlamentar. Essa prática, embora recorrente em diferentes governos, tem se tornado cada vez mais central na relação entre Executivo e Legislativo, com o risco de subordinar pautas estruturais aos interesses imediatos de sobrevivência política.
Enquanto bilhões são liberados sem discussão pública, projetos com impacto direto para o país seguem paralisados. O Projeto de Lei nº 2.614/2024, que estabelece o novo Plano Nacional de Educação (PNE) para 2024-2034, aguarda votação na Câmara. A aprovação do Orçamento de 2025 também segue travada. Essas discussões, que envolvem metas educacionais e planejamento fiscal, ficam em segundo plano diante de negociações sobre emendas e rearranjos políticos.
A disputa por prioridades legislativas ainda abre espaço para manobras preocupantes. A Proposta de Emenda à Constituição que trata do fim do foro privilegiado, por exemplo, pode receber “jabutis” que enfraquecem o combate à corrupção, como a ideia de condicionar investigações contra parlamentares à autorização das próprias Casas. Outras PECs de relevância, como a PEC 3/2024, apresentada pelo então senador e atual ministro do STF Flávio Dino, que prevê o fim da aposentadoria compulsória e a perda de cargo de juízes, membros do Ministério Público e militares em casos de infração grave, seguem à margem da atenção política.
O contraste é gritante. Enquanto a maioria da população enfrenta problemas concretos e urgentes. Enquanto a educação segue defasada, o saneamento básico com índices piores do que a Índia, orçamento indefinido, serviços públicos sobrecarregados, parte do Congresso dedica energia a garantir recursos para suas bases e blindagens para si mesmos. Uma minoria barulhenta, mas influente nas redes sociais, insiste em obstruir pautas estratégicas e impor agendas que reforçam a impunidade.
É o retrato de um sistema político que, em vez de iluminar o debate e enfrentar os desafios estruturais do país, se esconde atrás de votações simbólicas, portas fechadas e cifras bilionárias que poucos entendem e menos ainda fiscalizam.
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