Paulo Corrêa de Luca

Poder sem vergonha: O Brasil que prefere curtida a coragem

Enquanto o Brasil afunda em rombos fiscais, déficits previdenciários e um Estado inflado por benesses eleitorais, parte do parlamento se preocupa mais com o ring light do que com a luz no fim do túnel. Deputados e senadores abandonaram qualquer pretensão de responsabilidade institucional. Tornaram-se caricaturas de si mesmos, focados em criar clipes virais, frases de efeito e cenas dignas de um reality show. E o mais grave: a sociedade não apenas tolera, ela aplaude. Aplaude porque prefere o alívio cínico do meme ao desconforto da reforma. A política virou entretenimento. E o país, piada internacional.
A ascensão de figuras como Nikolas Ferreira e Carlos Jordy, e isso vale para populistas de todos os espectros, simboliza o triunfo da política performance. São avatares de um populismo digital que transforma a indignação em produto, a retórica vazia em moeda eleitoral e o parlamento em palco de TikTok. Propostas sérias? Nenhuma. Debate real? Irrelevante. A única arena que importa é a dos comentários nas redes. O plenário virou cenário. O mandato, roteiro. A verdade, um estorvo.
Mas não é só culpa deles. É nossa. Como sociedade, nos tornamos cúmplices desse colapso cívico. Compartilhamos os vídeos, alimentamos os algoritmos, reelegemos quem só entrega performance, nunca política pública. Criticar o sistema virou sinônimo de lacrar. Propor reformas virou ofensa mortal aos seguidores. O espetáculo vale mais que o conteúdo. E o Brasil, como nação, aceita o papel de figurante. A democracia representativa virou uma série mal roteirizada, com cortes rápidos, takes emocionados e zero consequência.
Enquanto os holofotes focam nos discursos inflamados e nos vídeos ensaiados, o que realmente impacta a vida dos brasileiros permanece escondido nos bastidores do cinismo legislativo. Um exemplo escancarado: o presidente da Comissão de Orçamento da Câmara, Hugo Motta, aquele que exige “responsabilidade fiscal” do Executivo, apresentou um projeto que permite a parlamentares aposentados em exercício acumular salário de R$ 46 mil com aposentadoria e ainda embolsar o 13º. A justificativa? “Isonomia”. A realidade? Um tapa na cara do cidadão comum. O projeto entrou em regime de urgência e conta com apoio de partidos que vão do PT ao PL, numa aliança transversal pelo privilégio. Nenhum cálculo de impacto orçamentário. Nenhuma vergonha.
E o absurdo não para aí. Em 26 de junho, deputados e senadores derrubaram o decreto que aumentaria o IOF sobre operações de câmbio, medida para elevar a arrecadação federal. Mas o problema não está só no Congresso. Também é escandaloso o governo insistir em encontrar novas fontes de arrecadação em vez de promover, com transparência, uma articulação séria com os demais poderes e com os setores que mais se beneficiam de isenções fiscais bilionárias.
O caminho fácil continua sendo jogar a conta no colo do pagador de imposto comum, aquele sem lobby, sem emenda e sem foro privilegiado.
Enquanto isso, o Senado aprovou o projeto que amplia o número de deputados. Mais cadeiras, mais custos, mais emendas, mais fisiologismo. Em paralelo, outra bomba: um projeto que aumenta a conta de luz dos brasileiros em até 5,5%, aprovado com apoio de 349 deputados e 63 senadores. Quando o reajuste pesa no bolso do povo, o consenso político surge com espantosa rapidez.
Relatório da IFI (Instituição Fiscal Independente), divulgado em 25 de junho, projeta que 2025 terminará com a dívida bruta em 77,6% do PIB, alcançando 82,4% ao fim do governo Lula. A trajetória continua em alta até, pelo menos, 2035, quando a dívida deve atingir 124,9% do PIB. E o que faz o Congresso diante desse cenário catastrófico? Ignora. Rejeita qualquer esforço de contenção. Empurra todas as reformas relevantes — tributária, previdenciária, administrativa — para depois das eleições. Porque encarar a realidade exige coragem, e a classe política só tem apetite para aquilo que rende curtidas.
E há ainda o elefante que ninguém menciona: as emendas parlamentares. Só em 2024, foram R$ 50 bilhões em emendas impositivas. Um buraco negro no orçamento, sustentado por silêncio cúmplice e conveniência explícita. Parlamentares evitam tocar no assunto não por ignorância, mas por autopreservação. As emendas bancam as bases eleitorais, sustentam obras eleitoreiras e mantêm o sistema fisiológico em pleno funcionamento. Cortar gastos? Só onde não dói nos gabinetes.
O diagnóstico é cruel: o Brasil vive uma crise de responsabilidade, ética e seriedade. Parlamentares agem como influencers. O Executivo atua como animador de auditório. E a sociedade se comporta como plateia viciada em aplauso fácil. Dizem que o sistema funciona. Não é verdade. O sistema está falindo com likes.
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