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Florianópolis,13/09/2025

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Paulo Corrêa de Luca

Orçamento secreto, IOF e jabutis: o país real não cabe nessa peça


Orçamento secreto, IOF e jabutis: o país real não cabe nessa peça

Em Brasília, a encenação não tem intervalo. Um Congresso que se diz reformista, mas que foge do debate estrutural como o diabo da cruz, segue ditando a pauta nacional com uma bússola apontada para 2026. E o mais trágico é que tudo acontece à vista de todos, com transmissão ao vivo e direito a trending topics, enquanto a sociedade, anestesiada ou indiferente, assiste calada à degradação deliberada do espaço público.

O governo Lula sofreu uma de suas maiores derrotas no Congresso, justamente por acreditar que o teatro das emendas ainda comprava aplausos. Errou feio. Ao liberar R$ 1,6 bilhão em emendas parlamentares, sendo R$ 650 milhões em modalidades que incluem o famigerado “orçamento secreto 2.0”, o Planalto tentou afagar os caciques partidários que, horas depois, lhe enfiariam a adaga nas costas ao derrubar o decreto do IOF. Fato é que emendas parlamentares já não garantem mais o apoio que um dia compraram. O fisiologismo continua, mas o preço do silêncio e da fidelidade aumentou. E a moeda já não é só dinheiro.

Sim, o mesmo Congresso que chora por responsabilidade fiscal, que esbraveja contra aumento de impostos e diz defender o contribuinte, derrubou a medida que elevaria a alíquota do IOF sobre operações cambiais, apenas para deixar claro quem manda. A decisão, claro, foi judicializada pelo Executivo. O que apenas promete agravar a já tóxica relação entre os Poderes. Mas é bom lembrar: essa mesma Casa Legislativa foi mimada com bilhões em transferências opacas, emendas que favorecem quem? O centrão. Sempre ele. A planilha do fisiologismo não mente.

Pior: os recursos liberados incluem emendas de relator que o Supremo já declarou inconstitucionais. Mas Brasília tem memória curta e criatividade infinita. Surgiu o “orçamento secreto 2.0”, com o mesmo cheiro de mofo, mas nova embalagem para simular institucionalidade. Transparência? Nenhuma. Responsabilidade? Só no discurso.

Enquanto isso, projetos populistas e eleitoreiros seguem furando fila nas votações. Foi o caso da proposta que amplia o crédito consignado para trabalhadores com carteira assinada e também para motoristas e entregadores de aplicativos. Um verdadeiro presente envenenado. Vende-se como política social, mas esconde a armadilha do endividamento e da captura de renda futura. Uma bomba-relógio que interessa apenas aos bancos e aos políticos em busca de curtidas.

Em vez de debater a reforma administrativa, a revisão da previdência ou o combate aos supersalários no serviço público, o Parlamento se ocupa de medidas que emocionam o eleitorado de curtíssimo prazo, mas comprometem o futuro fiscal. O contraste é gritante: em apenas dois meses, o governo Michel Temer conseguiu economizar R$ 18 bilhões com um pente-fino no auxílio-doença. Mas essa pauta exige coragem e impopularidade. Duas coisas ausentes no Congresso atual.

No meio desse caos ensaiado, até o Executivo parece ter perdido o rumo. Em vez de enfrentar os chantagistas de frente, prefere apostar em leilões simbólicos. Foi o que ocorreu com a aprovação da MP do Fundo Social, que permite o leilão de petróleo e gás excedentes do pré-sal. Um “jabuti” que traz até R$ 20 bilhões em arrecadação. Um trunfo fiscal, sem dúvida, mas usado apenas como escudo para justificar o recuo sobre o IOF. A mensagem é clara: se é para arrecadar, que seja sem mexer no que incomoda os amigos do Centrão.

Enquanto a conta chega, os protagonistas do caos institucional fazem turismo político no exterior. A elite de todos os Poderes se reúne em Portugal, no que a imprensa batizou de “Gilmarpalooza”, evento que mais parece um congresso da classe dominante disfarçado de seminário jurídico. No Brasil, a ministra Gleisi Hoffmann corre ao X (Twitter) para defender Hugo Motta, presidente da Comissão de Orçamento, de críticas populares. Goste-se ou não dela, sempre foi uma exímia articuladora. Eis o problema: Brasília virou um reduto de articuladores. Mas ninguém mais quer governar.

E o povo? Continua pagando a conta. Endividado, desassistido, desinformado e descrente. Enquanto isso, a elite política compartilha selfies em Lisboa e discursos vazios em Brasília. É como se os representantes tivessem se transformado em influenciadores, e o Congresso, em palco de vaidades. O país real, com suas urgências e dores, virou cenário. Figurante. Apagado.

O que se vê hoje é mais do que estagnação: é um projeto de poder ancorado na omissão deliberada, na chantagem orçamentária e na encenação constante. Os temas estruturais são deixados para depois. Sempre depois. O Congresso finge legislar, o Executivo finge governar, e a sociedade, esgotada, finge que acredita. Nesse teatro, só o cinismo é autêntico.

Enquanto isso, o ex-presidente Jair Bolsonaro reaparece em São Paulo dias depois de chamar de “malucos” os próprios apoiadores acampados. Pois bem, cerca de 12 mil “malucos” apareceram. E os que não foram tiveram porta-vozes prontos para justificar. O deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder do partido na Câmara, culpou o fim do mês e as férias escolares. “Nosso povo vem pagando passagem, Uber, alimentação. É o penúltimo dia do mês, isso pesa”, explicou. Como se a militância bolsonarista fosse um grupo de excursão escolar. A conveniência política voltou a falar mais alto.

Do outro lado, Lula retorna à retórica cansada do “nós contra eles”. Afinal, o medo do “fascismo” já não cola como antes. O que resta é um discurso polarizador, tentando manter viva uma base que não vê mais no atual presidente um representante do povo. Lula, analógico num mundo digital, parece não entender que ele não faz parte do “nós” — pelo menos não há muito tempo. Há décadas deixou de ser operário, virou símbolo, chefe de Estado, diplomata itinerante, e sim, alguém com bastante dinheiro na conta. Mas o poder. Ah, esse poder. Não larga ninguém. E como diria um velho ditado de palanque: em Brasília, a aposentadoria é para os fracos. O vício em palco é mais forte que qualquer coerência.



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