Vivemos uma era em que o debate político se tornou ruidoso, radicalizado e, muitas vezes, superficial. As redes sociais, onde boa parte da chamada “opinião pública” se forma, contribuíram para a criação de bolhas ideológicas que dificultam o diálogo, a escuta e o entendimento de realidades distintas da nossa. Nessa paisagem polarizada, torna-se cada vez mais difícil enxergar o que acontece além dos muros do conforto ou das certezas ideológicas. No entanto, existe uma política viva, silenciosa e transformadora que pulsa diariamente nas periferias, nas vielas e nas comunidades onde, apesar de tudo, os sonhos insistem em nascer.

Foi nesse contexto que conheci a história de Cícero Douglas, mais conhecido no mundo da arte como Cidart, por meio de um amigo que me procurou. Nascido no Paraná e radicado em Santa Catarina desde a infância, Cidart é um artista plástico que cresceu em comunidades marcadas pela vulnerabilidade social. Hoje, ele é um nome reconhecido na cena da arte urbana e usa sua arte como instrumento de resistência, identidade e transformação.

A proposta de Cidart é simples, mas poderosa: transformar muros em mensagens e espaços urbanos em plataformas de esperança. Por meio do grafite, da pintura, do artesanato com materiais reciclados, ele quer abrir janelas para crianças e jovens que, em muitos casos, não têm acesso a projetos sociais ou a formas básicas de expressão artística. Seu trabalho mostra que é possível, sim, construir dignidade e futuro a partir da arte.

Contudo, como tantos outros agentes de mudança, Cidart esbarra em um obstáculo recorrente: a desconexão entre iniciativas da sociedade civil e o poder público. Projetos com grande potencial de impacto social muitas vezes ficam pelo caminho por falta de apoio, articulação ou, simplesmente, escuta. O que falta, muitas vezes, é alguém que atue como elo, alguém capaz de mediar, de traduzir realidades em políticas públicas concretas, de conectar pontas que normalmente não se encontram.

Abracei a ideia. Fiz uma ligação para um antigo amigo, Bruno Becker, atual secretário do Continente de Florianópolis. Cabe destacar aqui o excelente trabalho que vem sendo realizado por essa secretaria, sob a liderança do secretário João Paixão e de toda a sua equipe, com obras de melhoria em todos os bairros daquela região de Florianópolis. Bruno atua há mais de 20 anos e conhece, como poucos, a realidade de locais por onde muitos preferem nem passar. De pronto, fui atendido. Levei Cidart para conhecê-lo, conversamos bastante, e aprendi muito nesse processo.

Projetos sociais como esse não são assistencialismo. São investimento em futuro. São políticas públicas nascidas da realidade e não das disputas partidárias. O grafite, com isso, deixa de ser apenas arte. Torna-se voz. Torna-se resistência. Deixa de ser apenas arte urbana e torna-se um grito colorido de luta. Em cada traço, uma mensagem: “estamos aqui, existimos, sonhamos.” É preciso reafirmar: a verdadeira política não é feita apenas nos gabinetes ou nas redes sociais. Ela nasce da escuta, da mediação e do compromisso com a realidade concreta. 

Talvez o que mais nos falte hoje sejam pontes. E talvez a política que realmente transforma não esteja nos holofotes, mas no trabalho silencioso de quem tenta mudar ao menos uma vida. Que possamos, ainda que por um instante, sair das nossas bolhas e reconhecer que o Brasil real pulsa onde há vida em movimento, mesmo que seja do outro lado do muro.

Se tudo correr como esperamos, e temos razões para crer que sim, crianças e adolescentes da comunidade da Nova Descoberta terão a chance de viver uma realidade mais colorida. Uma realidade em que as cores significam mais do que superstição de réveillon. Significam liberdade, criação, pertencimento e futuro.