Andréa Vergani
Preta Gil e a Realidade de Milhares de Mulheres em Tratamento de Câncer

O diagnóstico de um câncer já é, por si só, uma experiência devastadora. Mas para muitas mulheres, a dor vai muito além dos efeitos físicos e emocionais da doença. Muitas mulheres em tratamento de câncer ainda precisam lidar com a violência e com o abandono de seus parceiros.
Infelizmente, essa é a realidade de milhares de mulheres. No momento em que mais precisam de apoio, afeto e cuidado, muitas são deixadas para trás. Enfrentam o abandono, a invisibilidade e, em muitos casos, a violência doméstica.
Falar sobre o câncer de mama é também falar sobre a violência que atinge o corpo, a autoestima e a dignidade da mulher. É escancarar um problema estrutural: a cultura que ainda responsabiliza as mulheres por tudo, inclusive por adoecer.
O abandono conjugal durante o tratamento oncológico é uma forma cruel de violência de gênero. E embora o tema ainda enfrente barreiras — inclusive a escassez de dados oficiais no Brasil — basta olhar ao redor, ouvir os relatos de mães, de amigas, de mulheres em salas de espera para entender a dimensão do problema.
Um estudo realizado em 2009 pelas universidades de Stanford e pelo Centro de Pesquisa Seattle Cancer Care Alliance revelou um dado estarrecedor: homens casados têm até seis vezes mais chances de se divorciar ou abandonar suas esposas após um diagnóstico de câncer ou esclerose múltipla do que o contrário. Ou seja, enquanto as mulheres tendem a permanecer ao lado de seus parceiros nos momentos mais difíceis, o mesmo não acontece com frequência na via oposta.
É por isso que o relato corajoso de Preta Gil ecoa tão forte. Ao dar voz à sua dor, ela deu voz também a milhares de mulheres silenciadas. Mulheres que, além de lutar pela vida, precisam lutar para manter sua integridade emocional e financeira.
E é fundamental olharmos com ainda mais atenção para os recortes da desigualdade. Mulheres negras, com deficiência, mães atípicas e encarceradas enfrentam esse abandono de forma ainda mais aguda. O abandono e a negligência nessas realidades são atravessados pelo racismo, pelo capacitismo e pelo preconceito social.
O cenário nos presídios femininos, por exemplo, é um reflexo nítido disso. Enquanto filas se formam nas visitas a presídios masculinos, mulheres presas, muitas vezes, não recebem ninguém — exceto, com sorte, suas mães. Como já destacou o médico e escritor Drauzio Varella, essas mulheres cumprem dupla pena: a do Estado e a da solidão.
Vivemos em um país onde ser mulher é, ainda, resistir. Resistir às doenças, às desigualdades, à ausência de políticas públicas eficazes, ao abandono.
Que nenhuma mulher enfrente sozinha uma batalha que é de todas nós. Que possamos construir uma sociedade onde o cuidado seja partilhado, onde a vulnerabilidade seja acolhida, e onde a dor não signifique solidão. Porque quando uma mulher é apoiada, toda uma rede se fortalece. E quando uma mulher resiste, todas avançamos.
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