Shine Moura
“A Parada é construída com amor e resistência”, diz Miguel Gregório
Em uma conversa franca e repleta de emoção, Shine Moura entrevistou Miguel Gregório, coordenador-geral e membro da comissão organizadora da Parada da Diversidade LGBTI+ de Florianópolis, um dos maiores eventos culturais e de militância do Sul do Brasil.
Com transparência e sinceridade, Miguel falou sobre os bastidores da organização, os desafios enfrentados, a importância da união dentro do movimento e o papel fundamental da Prefeitura para que o evento siga crescendo ano após ano.
O início de uma jornada “Eu participo da Parada desde 2007, por aí. Eu vinha ali embaixo do trio e um dia eu queria poder estar mais presente nisso, poder colaborar mais. E aí, com isso, eu entrei pra política aqui em Florianópolis, comecei a me envolver politicamente com as coisas, até que cheguei na Parada.” A partir daí, Miguel passou a integrar a organização ao lado de nomes como Tiago Silva e Rose, estruturando uma nova fase do evento. “Nós resolvemos fazer uma Parada democrática, pra gente não envolver politicagem. Juntamos as comissões e começamos a fazer a Parada desde aí.”
Da Beira-Mar Norte à Continental: mudança que fortaleceu o evento Miguel recorda as dificuldades da transição de local: “Quando o prefeito Jean Loureiro decidiu que não teríamos mais eventos na Beira-Mar Norte, todos os patrocinadores saíram. Ficamos zerados. Tivemos um mês pra recomeçar. Fizemos a Parada com um trio pequenininho, sem artistas pagos, com o apoio de quem acreditava. De 180 mil pessoas, caímos pra 10 mil. E recomeçamos do zero.” Com o tempo, a mudança se mostrou positiva: “A Beira-Mar Continental é mais segura, mais econômica e dá pra fazer um evento com mais tranquilidade. A gente fecha as entradas, a segurança fica melhor, e quem vai, vai realmente pra participar.”
Trabalho voluntário e amor à causa Um dos pontos mais marcantes da entrevista foi a fala sobre a dedicação dos organizadores: “Eu, Miguel, a Rose e as ONGs, a gente não ganha definitivamente nada pra fazer a Parada. Nada mesmo. A gente ganha preocupações e problemas. Eu não ganho nem pra gasolina do meu carro, nem pro Uber que uso pra ir às reuniões. Muitas vezes acabo investindo do meu próprio bolso.” Mesmo sem retorno financeiro, Miguel enxerga o impacto social e econômico do evento: “A Parada é o terceiro maior evento da cidade. Traz dinheiro, turismo e visibilidade pra Florianópolis. Quando alguém investe 500 mil, retorna 50 milhões pra cidade. Não é gasto, é investimento.”
O papel da Prefeitura: Durante a entrevista, Miguel Gregório destacou a importância do apoio institucional da Prefeitura de Florianópolis para a realização da Parada da Diversidade. Segundo ele, o evento “só existe porque nós temos o apoio da Prefeitura”, e esse suporte se fortaleceu após a entrada do prefeito Topázio Neto. Miguel ressaltou que a atual gestão deu “uma ajuda ainda maior”, criando no primeiro mês de governo a Assessoria de Políticas Públicas LGBT, algo inédito na cidade. Ele também fez questão de mencionar o papel de Fábio Botelho, chefe de gabinete da Prefeitura, a quem descreveu como: “Um gay assumido, que tem filho, é casado há mais de oito anos e que assume sua sexualidade com orgulho.” Para Miguel, a presença de Fábio na gestão municipal representa uma abertura importante: “A gente teve uma abertura muito grande nesse governo.” Ainda segundo o organizador, o apoio de Topázio tem sido fundamental para o crescimento do evento: “Esse ano nós vamos ter duas atrações nacionais, e ele foi a pessoa que eu cheguei lá com essa proposta e falou: ‘Não, vamos fazer’. Ele e o Fábio. ‘Bora fazer, vamos trazer visibilidade, vamos trazer mais público, mais turismo pra cidade, vamos mostrar mais militância’. A Parada hoje se tornou o terceiro maior evento de Florianópolis.” Miguel também pontuou a diferença de tratamento entre eventos religiosos e o movimento LGBTQIAPN+: “Enquanto a Marcha pra Jesus ganha mais de um milhão de reais em emendas de gabinete, a Parada não ganha nada. Nenhum político nem mesmo os que se dizem LGBT chama a gente nem pra tomar um café.”
Parada é política, mas também respeito: Sobre as críticas e tentativas de criminalizar a presença de crianças no evento, Miguel foi enfático: “Ninguém tem o direito de dizer o que os outros devem fazer com seus filhos. Eu fui da igreja nove anos e vi coisas dentro da igreja que não acontecem numa Parada. Hoje, muita gente quer like. Quer lacrar com projeto homofóbico. Nós temos 30% do público formado por famílias pais, mães, filhos, idosos. É um evento pra todos.” E reforçou seu posicionamento sobre o respeito dentro da festa: “Eu não quero levar minha mãe num evento onde esteja rolando apologia ao sexo, à droga. Eu sou chato com isso e vou continuar sendo. A Parada é um evento de militância e respeito. Quem quer fazer diferente, que faça numa festa particular. A rua é pra pedir respeito.”
Falta de união dentro e fora do movimento: Miguel também falou sobre a desunião dentro da própria comunidade LGBTI+: “Muita gente joga culpa na Prefeitura, mas a Parada não recebe emenda de gabinete de ninguém. Nem de político LGBT. Nenhum chama a gente pra tomar um café. Enquanto a Marcha pra Jesus recebe mais de um milhão de reais, a Parada não ganha nada.” Ele lamenta a falta de comprometimento de artistas e ativistas: “Tem artista que diz ‘sem cachê eu não apareço’. Mas quando um LGBT sofre uma violência na rua, o agressor não vê o bolso de ninguém. Então, é importante que as pessoas entendam que militância é atitude, não palco.”
Polêmica política e Frente Parlamentar: Sobre a Frente Parlamentar LGBT da Câmara de Florianópolis, Miguel opinou: “É uma pena que a comunidade LGBT esteja abaixo dos partidos políticos. Eu coloco a comunidade acima de qualquer coisa. Eu abro diálogo com todos. Mas acho estranho discutirem a Parada sem antes chamarem a gente pra conversar. A Parada é um sucesso há 10 anos. Quem faz ela acontecer é a Prefeitura. Se há rixa política, isso enfraquece o movimento.”
Uma sociedade mais inclusiva:
Encerrando a entrevista, Miguel deixou uma reflexão: “A Parada é um movimento onde a gente olha aquele mundaréu de gente e fala: ‘Nós não estamos sozinhos’. E as pessoas que nos veem precisam entender que aquilo não é só música, é resistência. A Parada é construída com amor e sacrifício, pra que todo mundo possa ser quem é, sem medo.”



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