Cláudia Menezes
A escalada da violência política contra mulheres nas eleições municipais de 2024

As eleições municipais de 2024 evidenciaram uma ferida aberta no cenário político brasileiro: a crescente violência contra candidatas e candidatos. Não podemos ignorar os 714 casos registrados entre novembro de 2022 e outubro de 2024, o maior número desde 2016. Esses números, por si só, são alarmantes, mas tornam-se ainda mais chocantes quando se observa o recorte de gênero.
Os dados divulgados pelas organizações Justiça Global e Terra de Direitos mostram que, enquanto homens dominam os espaços políticos e também aparecem como as principais vítimas em números absolutos, as mulheres enfrentam um tipo de violência única. Foram 274 ocorrências direcionadas a mulheres, com ataques virtuais correspondendo a 40% das agressões. Isso não é apenas um reflexo da desigualdade estrutural; é um ataque direto à tentativa de ocupação de espaços de poder por mulheres.
A violência política contra mulheres não surge do vazio. Ela é fomentada por um sistema que ainda não oferece respostas suficientes para coibir e punir os agressores. Como bem pontuou Gisele Barbieri, da Terra de Direitos, a insuficiência das respostas estatais leva à naturalização dessas práticas. E mais: cria um ambiente hostil, desestimulando a participação feminina no cenário político.
Mesmo com a aprovação da Lei 14.192, que criminaliza a violência política de gênero, a efetividade ainda está longe do ideal. Como esperar que uma lei cumpra seu papel quando os casos não chegam a ser devidamente enquadrados e o sistema de justiça demora a agir? A lentidão judicial e a ausência de mecanismos ágeis de denúncia são um convite aberto à impunidade.
A era digital trouxe inegáveis avanços, mas também criou novas formas de perpetuar violência. Mais de 70% das ameaças registradas em 2024 ocorreram nas redes sociais, e-mails e plataformas digitais. Esse dado reflete uma tendência perigosa: a internet como ferramenta de intimidação, com o agravante do anonimato. O ambiente digital não só expõe as mulheres candidatas a ataques misóginos, mas também torna as ameaças ainda mais invasivas ao incluir informações pessoais das vítimas.
As plataformas digitais têm responsabilidade e devem ser cobradas para criar mecanismos que identifiquem e punam aqueles que utilizam o espaço virtual para disseminar ódio e violência.
O impacto da violência e os Estados mais afetados
Os números falam por si: 27 assassinatos, 129 atentados, 224 ameaças, 71 agressões físicas e 19 ameaças de estupro. Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais concentram o maior número de ocorrências, revelando que a violência política é um fenômeno nacional, mas com particularidades regionais. É impossível desassociar esses números do caráter misógino e racista da sociedade brasileira, que atinge de forma desproporcional mulheres negras, como mostram os 126 casos envolvendo mulheres pretas ou pardas.
A violência política não é apenas uma ameaça à integridade física e emocional das vítimas; é um ataque à própria democracia. Quando mulheres são intimidadas, atacadas ou assassinadas por exercerem seus direitos políticos, toda a sociedade perde.
É urgente que o poder público adote medidas efetivas, como:
• Aperfeiçoar a Lei 14.192 e garantir celeridade nos julgamentos;
• Implementar programas permanentes de combate à violência política nos órgãos legislativos;
• Promover campanhas educativas contra discursos de ódio e violência de gênero, lideradas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE);
• Ampliar a proteção a mulheres candidatas e suas equipes.
Mais do que isso, é necessário um pacto coletivo. Partidos políticos, sociedade civil e instituições democráticas devem se unir para enfrentar essa realidade. Não podemos normalizar a violência política, muito menos ignorar seu impacto desproporcional sobre as mulheres. Fortalecer a democracia é uma tarefa coletiva e urgente. Não há mais tempo para omissões.
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